terça-feira, 5 de junho de 2018

Me libertei do "Sagrado Feminino"

Depois de cerca de 5 anos de práticas decidi me libertar do “Sagrado Feminino”.

O termo “Sagrado Feminino” não se refere mais à Espiritualidade em comunhão com a Deusa, com a Grande Mãe como o foi no princípio, e entendo isto como um fenômeno cultural que se deu pela sua popularização e pela forte adesão dos terapeutas aos seus conceitos e visão de mundo.

Hoje o termo se refere a todo um conjunto de práticas terapêuticas adaptadas geralmente em formato de Círculo como referência ao Sagrado, onde quase sempre se trabalha com as Deusas, entidades e ancestrais como arquétipos, fundamentados pela Psicologia Junguiana, e não mais de forma religiosa-espiritual como seres verdadeiros e invisíveis habitantes de outros mundos e dimensões como já o faziam as bruxas desde muito antes do termo ganhar tamanha popularidade.

Então esse “Sagrado Feminino” de hoje não depende mais de fé, já que se baseia numa “ciência” e por este motivo acabou ganhando também a adesão de pessoas de outras religiões que estão parcial ou até mesmo totalmente em desacordo com os valores e visão de mundo da Antiga Religião da Deusa.

E é nesta parte que eu corto meus laços com esse termo para sempre, pois reduzir nossos Deuses à facetas de nossa própria mente e ainda vender nossos antigos rituais levando o nome de SAGRADO como algo ordinário, como algo negociável é uma ofensa para as verdadeiras bruxas de todos os tempos, e principalmente para aquelas que lutaram para tirar a nossa fé das trevas da ignorância e ter as nossas tradições respeitadas.

Hoje antigos rituais e práticas de bruxaria são vendidos (e às vezes por muito caro) pelo mundo todo com o título de “Sagrado Feminino”, são vendidos como terapia e às vezes são vendidos até como “espiritualidade” mesmo.

Infelizmente quando penso nesse termo eu já não sinto mais aquele Poder, aquele encanto antigo que me tocava na alma, mas apenas vejo pelos olhos físicos e também pelos olhos da mente diversas mulheres estereotipadas, brancas, cabelos padrão liso/ondulado, saia indiana (possivelmente muitas de trabalho escravo de outras mulheres), flores na cabeça, penduricalhos com pedras pelo corpo, pinturas corporais (muitas vezes imitando simbologias indígenas desconhecidas), termos como “mana”, “lua” e “gratidão”, e as dezenas de propagandas de eventos caros prometendo a cura do feminino se utilizando de todos estes elementos citados acima como ELEMENTOS DE MARKETING.


As que são vistas.

Sim, criamos um código com diversos estereótipos que nos identificam na sociedade. Antigamente eu ia em um evento desses e achava engraçado e legal que as meninas e eu mesma acabávamos sempre nos reconhecendo pela roupa “essa tem cara de quem vai no Sagrado Feminino”, como o evangélico de social com a bíblia debaixo do braço, elas, de saião colorido, claro. Hoje fico triste, porque quando olho uma mulher de roupas simples na rua, uma mãe de família, uma dona-de-casa, uma prostituta, uma mulher em situação de rua eu não vejo nelas esse “Sagrado Feminino” que eu identificava nas minhas amigas...

As que não são vistas.

Esse tal “Sagrado” que dizem que traz o ideal de unir mulheres, na verdade gera um código de conduta social (vestimentas, expressões, etc) que nos separa, e não foi isso que aprendi quando li sobre a Antiga Religião da Deusa quando eu tinha 13 anos, quando não tinha internet, nem redes sociais e nem esse culto exagerado a si mesmo preconizado pela famosa “selfie”. Eram só os valores da essência que estavam nos livros, não se falava de gírias utilizadas por um grupo de praticantes ou de vestimentas padrão, e pasmem, a vestimenta mais comum era o NU, sim, o despir de todas essas máscaras que ostentamos na sociedade.

E é assim que vai ser meu encontro com a Deusa e o Sagrado de agora em diante: NU, não exatamente nua no sentido literal, mas despida de todas essas coisas que absorvi durante esse modismo, começo a partir de agora esse caminho de volta para a essência verdadeira.

A partir de hoje estarei me desvinculando de tudo o quanto for possível com esse termo “Sagrado Feminino”, que agora só vou utilizar com aspas.

Esse texto vai causar desconforto em muita gente, mas em mim causei agora uma libertação colocando essas palavras que gritavam na minha alma em público.

*Gostaria de deixar uma observação de que não tenho nada contra Terapeutas (eu sou Terapeuta e tenho amigos também Terapeutas) e nem contra a Psicologia Junguiana, eu também a estudo, utilizo e entendo como um outra forma de estudar as Divindades para além do sentido religioso-espiritual, meu problema é com quem se utiliza dela para VENDER algo que leve o nome de SAGRADO, que isso fique claro.

11 comentários:

  1. Muito legal seu texto. Também tenho um certo desconforto com os modismos e principalmente quando grandes corporações fazem uso deles.
    Mas entendo que os modismos tem um valor que é acessar mais pessoas e a partir daí despertar nelas aquilo que e verdadeiro. A compaixão entre as mulheres todas inclusive as de salto alto e unhas e cabelos chapados, as negras, as periféricas, as hippies. Nesse sentido entendo que bom então que há de ser moda por um tempo e depois passa. Pq enquanto for moda quem sabe não é uma forma de libertar mais mentes e unir mais corações. Grata pelo texto lúcido e necessario para aprofundarmos mais ainda os debates e estudos dos ensinamentos antigos

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  2. Gratidão! Senti um imenso alívio ao ler o texto e uma tremenda identificação... Explicou com palavras meu sentimento <3

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  3. O Sagrado Feminino virou um comércio... o que era antes Sagrado está hoje "capitalizado"...

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  4. Permita-me a fazer a crítica da crítica e o elogio do elogio Vandana.
    A primeira crítica é temporal e de cunho de autoridade e posse de um saber. Você começa o texto falando da sua autoridade e conhecimento por ter 5 anos de práticas, o que em qualquer linha de conhecimento espiritual lhe colocaria no máximo como uma boa aspirante, à aprendiz. Mas estamos em outra cultura, a cultura do imediatismo e hoje conhecimentos espirituais e hermenêuticos, como vc muito bem frisou estão aí abundantes, àqueles que podem pagar, sem mais nenhum filtro moral e ou temporal. O conhecimento antigo era além de "gupta-vidya" (secreto), passado via "param-para" (boca ouvido, através de um mestre ou mestra) após longos anos de observação das atitudes e moral do aspirante à iniciado. Logo, aqui cabe a primeira crítica e inclusive também auto-crítica. A de que jamais temos conhecimento suficiente para julgar os degraus evolutivos pelos quais cada ser está vivendo momentaneamente e principalmente, o de que estamos mergulhados nesta mesma cultura. Mas também é possível tal grau de conhecimento e autoridade instantânea, pois há também um acesso ao conhecimento que é interno e não necessita de intermediários, sejam livros ou mestres.
    A segunda crítica à crítica é sobre a definição do termo "Sagrado Feminino", corretamente dito por você como ferramenta de marketing, porém defendido como "puro" por vc mesma no começo de sua senda (talvez à 5 anos atrás). Ora, tal termo para quem vivencia o culto da Deusa e ou qualquer tipo de espiritualidade livre dos grilhões judaico-cristãos verá o termo "sagrado feminino" como mera redundância, uma vez que todo feminino é sagrado, aliás tudo que está aqui é sagrado, inclusive as sombras, pois estas também fazem parte do corpo divino. Então sim , vc elucidou muito bem o termo como ferramente mercadológica, porém não é apenas agora, devido ao seu modismo contemporâneo e também nada atrelado à fé seja em que tempo passado for.
    A questão do uso de termos da psicologia, no campo espiritual e da magia, é de pelo menos 150 anos e tais termos não foram embutidos somente agora, mas já há essa aculturação desde 1880 aproximadamente, com o advento das pesquisas alemães em solo indiano a fim de apurar suas raízes árias. Aliás foram estes estudos, das escrituras antigas indianas que deu berço à psicologia ocidental. E como tudo que vêm de lá pra cá, acaba não apenas tomando outra roupagem, mas também usando termos com os quais nós ocidentais estamos mais acostumados. Em contrapartida há uma deterioração clara do saber nativo e uma mercantilização exacerbada destes saberes, mutilados ainda por cima e vendidos como legítimos à tradição. Nada mais incoerente, porém esta incoerência é capaz de lançar a semente de uma busca pela real tradição na pessoa.
    Então, é natural esta aculturação e também é natural que qualquer agrupamento humano se aglutine sob os mesmos códigos, sejam de conduta, sejam de vestimentas, de vocabulário, etc. O problema não é esse, e sim o muito bem falado por ti, que é o da separação entre aquilo que nos é familiar (o uso destes códigos), do que não é, gerando estigmas e preconceitos à quem não os adota. Algo totalmente contrário à união e ajuda mútua entre as mulheres que o culto da Deusa preconiza.
    E pra finalizar, gostaria de lhe parabenizar pela coragem em fazer tal crítica publicamente. Fatos estes citado por ti e por mim também notado a algum tempo já e expressado às muitas sacerdotisas as quais convivo e sei muito bem que tais críticas não são bem aceitas. Acho que sua crítica ficou até mesmo leviana, diante de tantos aspectos e fatos negativos (não irei expor mais nada tb) que tal grupo vem adotando como comportamento. Mas também tenho a lucidez de que tudo que aqui está e se apresenta, é necessário e é ferramenta de evolução para quem está ali inserido. Parabéns Vandana pelo ótimo texto.

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  5. Eduardo, gratidão pelas informações que você acrescentou. Quis colocar os 5 anos de práticas porque foi o tempo que passei praticamente reproduzindo muita coisa no automático, porém meu estudo sobre o culto a Deusa vêm de cerca de 15 anos, e eu menciono isso ao longo do texto, mas realmente isso é irrelevante no sentido de "qualificação", o sentido que eu quis trazer com essa informação foi o de já ter tido contato com esse "Sagrado" antes da popularização exagerada dos últimos 2 anos eu diria, particularmente quando eu comecei as práticas em 2013 já era algo bem comercial, porém nos últimos 2 anos acompanhei isso ficar cada vez pior, gravei um vídeo falando um pouco mais sobre isso, vai ao ar amanhã... só pra esclarecer mesmo essa questão, que foi mais uma situação da minha vida que coloquei onde me vi pensando "como eu caí nessa de saião colorido e flor na cabeça, se eu já conhecia essa essência sem esses elementos todos?", mas é aquilo... pessoas fragilizadas (especialmente mulheres) e uma necessidade de adequação e identificação, foi o que me levou a "vestir" o estereótipo por alguns anos...

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  6. Também vejo e sinto assim. No fundo, lá no íntimo, o que o resgate da energia feminina (em homens também) nos pede é mais acolhimento, equilíbrio entre mente e coração, mais conexão com nossos sentimentos e intuição, menos crítica, mais inclusão, enfim, mais amor... é bastante simples na teoria. Mas é bastante possível também. Sinto a espiritualidade bastante na prática, na forma como nos relacionamos com as pessoas mais próximas, com as que nem conhecemos... no dia a dia que tece nossas vidas por aqui.

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  7. *quis dizer que sinto e vejo como a Artemísia escreveu, no primeiro comentário. Não me incomoda a ampliação e descontrole das interpretações do termo Sagrado Feminino. Vejo como parte do processo de expansão. Que saibamos acolher no outro e em nós mesmas e mesmos as diferenças de estilo, de entendimento, de interpretação, de forma... são só formas. A essência está tão além das palavras, formas... é tão sutil e compreende tudo.

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    1. Paula, eu acho que a partir do momento em que exclusão social e reforço de estereótipos de gênero e feminilidade que gera opressão em mulheres é algo que não nos gera algum incômodo então não estamos sendo verdadeiramente acolhedoras. O que me parece é que algumas pessoas querem ser acolhedoras com as mulheres que propagam esses equívocos de forma leviana, mas não com as mulheres vítimas disso, que são aquelas que continuam não sendo vistas pelo "Sagrado Feminino" elitizado.

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  8. Parabéns pelo texto. Estava à procura de uma reflexão assim para socializar com um grupo de mulheres.
    Obrigada!

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