terça-feira, 26 de setembro de 2017

A Bruxaria na Minha Vida

Imagem: Último encontro do Círculo de Mulheres Flores
de Yurema em São Paulo, por Rebecca Becker Fotografia.
É incrível a dificuldade que a gente tem de se reconhecer Bruxa. É mais do que se assumir publicamente, está num nível mais profundo onde você se percebe ou se compreende uma Bruxa.

A Bruxaria surgiu na minha vida, desta forma conceituada, tá? Porque eu já vivia em um mundo mágico desde que me conheço por gente, vendo animais selvagens que ninguém mais via (como onças) pela janela do carro quando viajava e passava pela Serra, apertando os olhos enquanto olhava para o mar, chamando e procurando atentamente por sereias, conversando com duendes, e vendo vultos escuros nas paredes (eu sempre tive medo de fantasmas)... Mas a Bruxaria mesmo surgiu na minha vida com este nome quando eu tinha entre 11 e 13 anos, eu mal consigo te dizer como isso aconteceu, sei que eu amava ver filmes de bruxas e achava que aquilo era real e ficava aguardando o dia em que eu iria “descobrir” que eu era uma bruxa também, nessa época eu já comprava revistas de signos e anjos e já colecionava bibelôs de anjinhos, fadas e pirâmides, tudo o que parecia místico eu queria, então surgiu uma revistinha clássica para o público infantil chamada “Witch” e lá eu soube que existiam pessoas que praticavam mesmo a Bruxaria, e que inclusive existia uma escola de magia, mas que infelizmente eu não poderia ir, pois era distante e minha família não tinha dinheiro para me pagar mais uma “escola”, além de acharem que tudo isso era uma fase e uma fantasia infantil.

Nessa mesma época tivemos o nosso primeiro computador em casa, e logo a internet, e ali eu procurava sites sobre Bruxaria e às vezes acessava salas de “bate-papo”, mesmo sendo menor de idade. Fiz minha mãe me levar até uma biblioteca perto de casa e consegui uns livros emprestados sobre Bruxaria antiga e cristais, até tentei fabricar cristais com açúcar, mas não deu certo para minha frustração infantil... E, olha, eu era tão séria que me lembro que tinha deixado certa vez um cristal de quartzo (pedra considerada do meu signo, Leão) numa concha com água e sal grosso tomando banho de sol e lua para energizar e meu pai para brincar comigo colocou esse cristal dentro da boca e eu até chorei de raiva, me sentia desrespeitada, mesmo sendo uma criança.

Eu tinha uma vizinha do lado de casa, era a minha melhor amiga, e eu acabei trazendo essas ideias para ela e juntas nós tentamos fazer um feitiço uma vez de um desses livros da biblioteca, que faria um papel sumir (era um teste apenas), tínhamos tanto medo que rezamos um “Pai-Nosso” antes e lemos o encantamento com uma Bíblia aberta do nosso lado... Nada aconteceu... E nada acontecia, nunca...

No meu aniversário de 13 anos ganhei de presente de algum familiar (porque eu tinha pedido, claro) o meu primeiro livro de Bruxaria, “Bruxaria Natural - Uma Escolade Magia” da Tânia Gori, a fundadora daquela escola de magia divulgada na revistinha Witch. Ali naquele livro as coisas ficavam muito mais claras e reais, mas até um pouco sem graça para uma criança que queria ver coisas fantásticas e sobrenaturais, a Bruxaria parecia tão “natural”, ironicamente... Claro que eu tentei montar um altar, e eu o tive por alguns anos, fiz um “Livro das Sombras” (Grimório), eu me lembro de ter Iemanjá no meu altar, era a deusa mais conhecida para mim naquele tempo, mas nenhum dos meus feitiços era efetivo, talvez por medo, por imaturidade, não sei ao certo, sei que meus pais me mandavam esconder as coisas do altar numa gaveta quando recebíamos visitas e que ele sempre tinha que ser fora de casa no quintal, minha família era de criação Católica não praticante, mas frequentavam Centros Espíritas Kardecistas, que eu ia vez ou outra contrariada, mas eu sempre soube que meu avô por parte de pai benzia e anos depois soube que minha bisavó por parte de mãe também.

Como meus feitiços nunca davam certo, mesmo comprando outros livros, como o Almanaque Wicca que saía nas bancas de jornais, entre outros que eu pegava referências na internet e nesses mesmos livros, eu fui me afastando da Bruxaria quando fui ficando adolescente, sem nunca perder os episódios de visões de vultos, espíritos e sustos durante a noite.

Quando eu já tinha os meus 19 anos e estava naquela correria de faculdade, emprego, vida social e relacionamentos eu tive uma crise de ansiedade depressiva (segundo um psiquiatra), eu comecei a sentir tristezas sem razões aparentes, depois comecei a sentir medo de dormir, medo de escuro, medo de sair sozinha, era terrível, quando meus pais já não sabiam mais o quê fazer comigo me levaram para o hospital, primeiro num clínico geral e em seguida num psiquiatra, claro que todos os problemas que eu estava passando que eram coisas normais da passagem da vida de adolescente para a vida adulta foram classificados como o motivo da minha crise, e me foi receitado um remédio tarja preta que eu não me lembro o nome agora, eu deveria toma-lo por exatamente 20 dias e retornar ao psiquiatra no final desse período. Quando comecei a tomar só me sentia uma ameba, o remédio me ajudou a dormir, e eu dormia muito, como uma morta e continuava sentindo as mesmas coisas ruins de sempre, além de tudo isso eu também tinha visões o tempo todo, coisa que eu não quis relatar ao psiquiatra e nem aos meus pais, por medo de acharem que eu estava enlouquecendo, eu fechava os olhos e via coisas sem sentido, buracos, larvas e outras coisas escuras, era horrível, com isto eu percebi que eu sempre tinha algumas visões de vez em quando, mais quando estava próxima do sono, mas nunca entendia, via pessoas, cenas, coisas que não sei de onde vinham...

No 12º dia do tratamento com o tarja-preta eu quis parar, parei por minha conta e até hoje nunca voltei ao psiquiatra, resolvi retomar meus estudos de Bruxaria, pensava que a Deusa poderia me ajudar, e retomei, mas continuava não sentindo as coisas como eu gostaria de sentir, com profundidade, aos poucos eu fui melhorando da crise, e logo deixei tudo de lado mais uma vez, e minhas visões pararam quase que em definitivo por alguns anos, eu rezava muito para Deus fazer isso parar seja o que isso fosse, e enfim, parou.

Quando eu cheguei mais ou menos nos 22 anos dessa vez a crise foi familiar e não depressiva, houveram muitas brigas entre os meus pais e me envolvendo também de alguma forma e eu me senti no fundo do poço, sem saber onde recorrer, eu me trancava no banheiro e lia “O Evangelho Segundo o Espiritismo” em voz alta algumas vezes enquanto as pessoas se encontravam aos berros e choros. Quando as coisas começaram a se acalmar eu tinha uma ferida muito grande na alma, e comecei a fazer psicoterapia e a frequentar um outro Centro Espírita Kardecista, e nesse meio tempo uma pessoa me falou sobre Ayahuasca, eu já tinha ouvido falar do “Chá do Santo Daime”, mas não fazia ideia de que isso era algo bom, eu já pesquisava enteógenos naturais porque frequentei muitas raves, e mesmo não chegando a experimentar drogas eu gostava da sensação de estar na mata dançando e aquilo me causava certa expansão de consciência, além de todo o contexto tribal hindu que se acredita ter dado origem às raves.

Comecei então a frequentar um Templo Xamânico, no início eu só assistia palestras e às vezes tinham consultas e passes com entidades, pretos-velhos e caboclos, como na Umbanda, que eu ainda não conhecia, achei tudo muito intrigante, e nesse lugar eu sentia as energias, sentia comoção, coisas que nunca senti em Centros Kardecistas. Logo participei do meu primeiro ritual com Ayahuasca nesse lugar, eles possuem uma “ordem iniciática” somente de mulheres, e embora seja tudo bem “indígena”, elas são devotas da deusa Ísis, e ali eu pude sentir a espiritualidade como eu sempre havia ansiado desde a infância, claro que só havia se aberto uma porta e eu ainda havia muito por explorar, mas eu senti um forte desejo de fazer parte daquilo, uma sensação de pertencimento, de reencontro.

Infelizmente, ou felizmente algum tempo depois fui percebendo que o local que eu frequentava era muito comercial, e que você só fazia amigos se você tivesse dinheiro, mas em vez de abandonar este caminho eu fui conhecendo outros Centros que trabalhavam com a Ayahuasca e nesses mais de 4 anos de consagrações, eu vivi muitas coisas incríveis, processos de dor e de primozia extrema como nunca poderia imaginar. Como muitos lugares que frequentei eram de orientação Universalista acabei conhecendo também outras religiões, como o Hare Krishna, no qual recebi iniciação apesar de hoje não me considerar desta religião, e assim fui me abrindo para muitas outras linhas, também desenvolvi a mediunidade na Umbanda por um ano, mas também acabei me afastando, as religiões institucionalizadas sempre acabavam me afastando, e o mesmo aconteceu com o Santo Daime quando conheci essa vertente.

Nessa peregrinação espiritual ardente e frenética que eu vivi nesses 4 anos procurando, na verdade, por mim mesma de alguma forma, eu acabei conhecendo o Sagrado Feminino e os Círculos de Mulheres, na verdade essa minha primeira consagração de Ayahuasca era um ritual do Sagrado Feminino já, mas essa parte da espiritualidade só foi se aprofundar mesmo nas vivências de Círculos de Mulheres que participei mais adiante, há pouco mais de 2 anos atrás. Foi quando comecei a trabalhar o sangue menstrual ritualisticamente, parei de tomar hormônios anticoncepcionais, usar absorventes de algodão e passei a me alinhar mais com a Lua e os fluxos da natureza, e as duas coisas foram se alinhando dentro de mim, o Xamanismo Ayahuasqueiro e o culto ao Sagrado Feminino, que na verdade é o culto antigo da Deusa ressurgindo como um meio de curar a mulher e a humanidade.

Criei um Círculo de Mulheres público e gratuito, o Flores de Yurema, e também passei a realizar alguns rituais solitários do Sagrado Feminino em casa, cada vez mais, até perceber que praticamente se formava uma rotina de culto em minha vida, algumas divindades começaram a surgir e a ganhar uma importância especial, algumas divindades masculinas surgiram também, mas percebi que o meu culto principal sempre será ao Feminino.

Devo lembrar que em 2014 eu recebi a instrução de que eu faria um trabalho do Sagrado Feminino com Ayahuasca, e no desenrolar das coisas essa missão se mostrou muito maior do que eu esperava e hoje eu e meu companheiro temos um projeto de um Templo Universalista que trabalhará com Ayahuasca, o TEU Luzes da Rainha, que está sendo construído e nós estamos recebendo desde então o devido preparo para tal.

Chegando até aqui o que eu percebo é uma vida inteira tentando encontrar essa Bruxa que estava perdida aqui dentro e que encontrei através das Plantas de Poder e do Xamanismo, e que acabou ganhando uma grande missão. Quando falamos de Xamanismo parece moderno, exótico, “diferentão”, e quando se fala em Bruxaria a gente ouve “você é ‘bruxinha’?”, entre risos, sinto essa palavra extremamente estigmatizada, como infantil ou como “coisa do mal”, sinto que hoje até os cultos religiosos de matriz africana que já sofreram tanto preconceito ganharam mais respeito do que a Bruxaria, afinal, eles se institucionalizaram como uma religião, e a Bruxaria não, muito embora exista a Wicca, ela não contempla toda a Bruxaria em sua infinitude.


Bruxaria é liberdade, bruxaria está além de bem e mal, de “pode” e “não pode”, está além de qualquer caixa que tentem colocá-la, eu gosto de diferir a Bruxaria do Xamanismo muito mais pela forma de culto atual do que pela essência, porque na essência eu não vejo diferença, quem pratica Xamanismo, pratica Bruxaria, é um fato, mas é claro que ocorreram diferenciações ao longo dos anos, e a palavra Xamanismo no contexto acadêmico hoje é relativamente nova com relação ao termo Bruxaria, eu explico melhor essa relação entre um e outro neste texto aqui: Xamanismo e Bruxaria.

Enfim... Percebi o quanto eu ainda nego em mim a Bruxaria, o quanto eu ainda considero “mais legal” ou “mais adequado” falar que sou “xamanista”, “universalista” do que simplesmente vomitar na cara da sociedade “SOU BRUXA”. Xamanista define melhor meu campo de estudo e atuação, que é com plantas de poder e cura, e universalista só explica a minha crença que é o reconhecimento do Divino em todas as divindades e seres de culturas diferentes e suas formas de culto (muitas bruxas podem ser consideradas universalistas), mas Bruxa é o que sou, uma mulher que transforma, dentro e fora, que não simplesmente aceita a vida com resignação e fatalidade (pelo menos não o tempo todo), e que atua manipulando com sabedoria os elementos em seu favor, em favor do próximo e da própria natureza, uma Bruxa também é uma guardiã da natureza por excelência, pois é dela que ela tira os elementos para poder praticar a sua magia, e por isso vive com ela em harmonia, zela por ela, reconhece o Poder em todas as coisas e por isso o respeita, sobretudo, sem temor, a Bruxa é uma amiga dos deuses, a eles confessa suas maiores dores, medos e aflições, e com eles celebra suas alegrias, conquistas e amores e a eles ela roga, de dentro de si a Presença que conforta, consola e ampara a sua comunidade, a Bruxa é o receptáculo do Divino.

Eu Sou Bruxa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário